Você pagaria uma IA para falar com Deus?

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Já imaginou pagar para falar com Deus através de uma inteligência artificial? Esse dilema deixou de ser apenas ficção e se tornou realidade em Lucerna, na Suíça. Na capela mais antiga da cidade, fiéis e curiosos entraram em um confessionário transformado para dialogar com um avatar digital de Jesus, criado com tecnologia de IA.

O projeto, batizado de Deus in Machina, transformou o espaço mais tradicional da Capela de São Pedro em um lugar onde cabos, telas e algoritmos convivem com a espiritualidade de séculos. O experimento uniu teólogos e cientistas, abrindo caminho para reflexões profundas sobre fé, tecnologia e a própria essência humana.

Entre curiosidade, fé e polêmica, mais de mil pessoas testaram a novidade em apenas dois meses. E suas reações mostram o quanto estamos diante de um desafio inédito: até que ponto a inteligência artificial pode mediar a experiência religiosa sem esvaziar seu significado?

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A Capela mais antiga e o experimento mais moderno

A Capela de São Pedro, erguida há mais de 300 anos, sempre foi lugar de oração e silêncio. Hoje, ela também é cenário de uma das experiências mais ousadas da Igreja Católica na Europa. O teólogo Marco Schmid, ligado à paróquia de Peterskapelle, em Lucerna, liderou a iniciativa ao lado do Laboratório de Realidades Imersivas da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes de Lucerna.

O objetivo inicial não era substituir o sacramento da confissão, mas criar um espaço de diálogo. No confessionário, em vez do padre, o visitante encontra uma tela com a imagem de Jesus projetada em estilo realista. Por trás dessa imagem, um programa de inteligência artificial responde em tempo real a perguntas feitas em mais de 100 idiomas diferentes.

Como funciona o “Jesus digital”

Para tornar possível essa experiência, a IA foi treinada com textos bíblicos, teológicos e religiosos. Assim, suas respostas são inspiradas em passagens das Escrituras e nos ensinamentos da tradição cristã. Ao entrar no confessionário, o visitante é avisado de que não se trata de uma confissão sacramental, mas de falar com Deus de forma simbólica.

Mesmo com essa ressalva, a interação surpreendeu. Foram registradas cerca de 900 conversas de fiéis e turistas de diferentes idades e religiões. Entre os temas levantados estavam o amor verdadeiro, a vida após a morte, a solidão, o sofrimento humano, a guerra e até mesmo os escândalos de abuso sexual enfrentados pela Igreja.

falar com Deus

Reações divididas entre encanto e crítica

Para muitos participantes, a experiência de falar com Deus foi marcante. Segundo Schmid, dois terços das pessoas relataram sentir que viveram um momento espiritual positivo. Havia quem saísse emocionado, como se tivesse realmente recebido palavras de conforto.

Mas nem todos reagiram da mesma forma. Um jornalista local classificou as respostas como “clichês de calendário”, acusando o sistema de ser repetitivo e superficial. Outros visitantes disseram não conseguir levar a sério a ideia de falar com Deus por meio de uma máquina. Houve até quem acusasse a iniciativa de ser uma blasfêmia ou obra do diabo, em comentários nas redes sociais.

O debate dentro da própria Igreja

As críticas não vieram apenas do público. Dentro da própria Igreja houve resistência. Católicos questionaram o uso do confessionário, considerando que isso poderia confundir os fiéis. Protestantes, por sua vez, criticaram o recurso à imagem de Jesus, prática que historicamente gera controvérsias entre denominações cristãs.

Apesar das divergências, o projeto de falar com Deus chamou atenção para uma questão central: como manter a autenticidade da fé em uma era em que a tecnologia se infiltra em todos os aspectos da vida? A experiência deixou claro que o desafio não está apenas na técnica, mas no equilíbrio entre inovação e tradição.

O risco das respostas inesperadas

Outro ponto sensível foi a imprevisibilidade. A equipe responsável pelo projeto testou a IA com 30 pessoas antes de abri-la ao público, tentando minimizar riscos. Ainda assim, havia o temor de que o avatar pudesse dar conselhos inadequados ou até mesmo contrários ao ensinamento da Igreja.

Schmid reconheceu que essa incerteza foi um dos fatores que impediram a continuidade do projeto como algo permanente. A responsabilidade de manter um “Jesus artificial” ativo seria grande demais. Por isso, a iniciativa foi mantida apenas como um experimento, embora tenha mostrado grande potencial para discussões futuras.

Uma experiência multirreligiosa

Curiosamente, não foram apenas católicos que se aproximaram da experiência. Cristãos de várias denominações, além de muçulmanos, budistas, taoístas, agnósticos e ateus, entraram no confessionário. A IA conversou em chinês, francês, russo, inglês, espanhol, húngaro e muitas outras línguas, revelando a amplitude do alcance de falar com Deus.

Isso mostra que a sede de respostas espirituais vai além das fronteiras religiosas. Mais do que um experimento da Igreja, o Deus in Machina tornou-se um espaço de diálogo universal, onde diferentes visões de mundo se cruzaram diante da figura digital de Jesus.

Falar com Deus em tempos digitais

A grande questão que ecoa é: o que significa falar com Deus em um mundo dominado por telas e algoritmos? O projeto de Lucerna não trouxe respostas definitivas, mas mostrou que as pessoas querem se expressar, fazer perguntas e ouvir palavras de esperança, ainda que vindas de uma máquina.

Essa busca revela uma sede espiritual que ultrapassa os ritos e os livros. As pessoas querem sentir que estão sendo ouvidas, querem acreditar que há um diálogo possível com o transcendente, mesmo quando mediado por um avatar digital.

Um futuro em aberto

O “Jesus de IA” de Lucerna pode nunca se tornar permanente, mas deixou marcas. Mostrou que a fé e a tecnologia não precisam ser inimigas, embora também tenha evidenciado os riscos de reduzir o espiritual a respostas prontas.

Talvez o maior legado do experimento seja o convite à reflexão: até que ponto podemos confiar à tecnologia um papel tão íntimo quanto o de falar com Deus?

Uma jornada que continua

Entre a fascinação e a crítica, o que permanece é a imagem de um pequeno confessionário iluminado por uma tela, onde pessoas do mundo todo se abriram diante de um Cristo digital. Mais do que respostas, encontraram um espelho de suas próprias perguntas.

E no fim, talvez seja isso que importa: a busca sincera por sentido, a coragem de questionar e a vontade de acreditar que, mesmo em meio às máquinas, ainda podemos sentir a presença do divino.

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